O recente caso envolvendo o milionário, herdeiro e empresário Thiago Brennand, que viajou para Emirados Árabes Unidos sem previsão de retorno ao Brasil logo após ter ciência que era acusado da prática de diversos crimes contra mulheres, quais sejam: ameaça, estupro, cárcere privado e lesão corporal; trouxe à tona discussões relevantes sobre processo de extradição e direito internacional. Neste artigo, apresentamos uma análise jurídica das questões envolvidas no caso, considerando tratados internacionais, decreto legislativo, reciprocidade, autoridades competentes e o trâmite do processo de extradição.
O trâmite do processo extradição entre Brasil e Emirados Árabes Unidos começa com o pedido formal do país requerente, no caso, o Brasil, no caso em concreto apresentou um mandado de prisão expedido e com inclusão na INTERPOL e documentos que comprovam a existência de uma investigação ou processo criminal contra o acusado. O pedido então, é analisado pelas autoridades dos Emirados Árabes, que decidirão pela concordância ou rejeição da extradição, levando em consideração: a reciprocidade; as leis de imigração nacionais; a dupla incriminação face aos crimes imputados ao empresário; a garantia a não tortura; tratamento cruel; desumano ou degradante; a garantia de condições básicas inerentes ao ser humano envolvendo a detenção do acusado em presídio brasileiro; entre outros requisitos técnicos legais.
A autoridade competente para garantir a segurança jurídica da extradição são os órgãos competentes do país requerido – neste caso, os Emirados Árabes Unidos. No Brasil, o processo de extradição é conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério da Justiça e Segurança Pública e pelo DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional).
Acerca do Tratado de Extradição entre Brasil e Emirados Árabes Unidos, importante frisar que os dois países firmaram um tratado sobre extradição em 2019, que inclui a extradição de pessoas acusadas ou condenadas por crimes. Entretanto, o projeto de Decreto Legislativo PDL n. 204/2021 ainda necessita de aprovação do Congresso e a ratificação pelo presidente da República para então ter eficácia e aplicabilidade jurídica, resultando na prática a incidência exclusiva do princípio da reciprocidade jurídica com vista ao combate à impunidade e também do princípio da especialidade (o extraditando não poderá ser processado ou julgado por crimes que não embasaram o pedido de cooperação e que tenham sido cometidos antes de sua extradição, podendo o Estado requerente solicitar ao Estado requerido a extensão ou ampliação da extradição ou extradição supletiva).
A atuação da Polícia Federal nesses casos se limita neste caso na responsabilidade pela condução do extraditando desde o país onde ele se encontra até o Brasil. O processo inclui a coordenação com as autoridades locais, a escolta do extraditando e a garantia da segurança durante o transporte.
Além disso, a condução do empresário ao Brasil detém regras aplicáveis ao caso, em geral o extraditando não é algemado, mas pode ser, se necessário, conforme a legislação vigente e a avaliação da situação. No caso de Brennand, devido ao seu nível de periculosidade e sobretudo face ao alto poder aquisito, serão designados quatro agentes para garantir a segurança e o cumprimento da extradição.
A defesa de Brennand, e o próprio empresário, alega a inocência, e cabe à Justiça brasileira analisar as provas apresentadas e decidir se o empresário deve ser condenado ou absolvido. É importante lembrar que, no Brasil, o princípio da presunção de inocência garante que todo réu seja considerado inocente até que se prove o contrário, e esse princípio também deve ser observado nas relações jurídicas internacionais.
No que tange a cooperação entre os países e tratados internacionais, é nítido que este caso evidencia a complexidade das relações jurídicas entre países e a necessidade de uma cooperação eficiente e respeito á reciprocidade, bem como às leis e tratados internacionais. A análise do caso de Thiago Brennand nos permite compreender melhor o funcionamento do processo de extradição e como as autoridades competentes atuam para garantir a segurança jurídica e o respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos.
Os Emirados Árabes Unidos (EAU) seguem um sistema jurídico baseado na legislação nacional e no direito islâmico (Sharia). É importante ressaltar que cada emirado possui autonomia para legislar em áreas específicas, mas também existem leis federais que são aplicáveis em todo o território dos EAU.
No caso da extradição de Thiago Brennand, a legislação dos EAU e os tratados internacionais que o país é signatário são fundamentais para determinar a viabilidade e o processo de extradição. Os Emirados Árabes Unidos são signatários de outros tratados internacionais relevantes para o caso, tais como:
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo): Os EAU ratificaram a Convenção em 2007, que estabelece mecanismos de cooperação entre os países signatários no combate ao crime organizado transnacional e pode ser aplicada em casos de extradição.
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida): Ratificada pelos EAU em 2006, que também prevê mecanismos de cooperação entre os países signatários no combate à corrupção, incluindo a extradição de pessoas acusadas de crimes relacionados à corrupção.
Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes: Os EAU aderiram à Convenção em 2012, sendo que embora essa convenção não seja específica sobre extradição, ela estabelece que os países signatários devem tomar medidas para prevenir e punir a tortura, e pode ser utilizada para garantir que os direitos humanos dos indivíduos envolvidos em processos de extradição sejam respeitados.
Esses tratados internacionais, em conjunto com a legislação nacional de imigração dos EAU, fornecem o arcabouço jurídico para a análise da extradição de Thiago Brennand, respeitando os direitos fundamentais e a soberania dos países envolvidos.
Em conclusão, o caso de Thiago Brennand destaca a complexidade das relações jurídicas internacionais e a importância da cooperação policial e jurídica internacional entre os países no combate ao crime. A extradição do empresário milionário acusado de ameaça, estupro, cárcere privado e lesão corporal deve ser conduzida com base na legislação dos Emirados Árabes Unidos, na lei de imigração brasileira, nos tratados internacionais dos quais ambos os países são signatários, e sobretudo na reciprocidade.
Fica aqui uma reflexão sobre o fato de que inúmeros estrangeiros foragidos da justiça no país de sua nacionalidade, em virtude de mandado de prisão expedido, fogem para os Emirados Árabes Unidos, Dubai, pois sabem que o país costuma conceder a liberdade domiciliar (e com aplicação de outras medidas cautelares menos gravosas que a prisão preventiva como por exemplo pagamento de fiança) dias após a prisão executada em solo Árabe, e sabem também que o processo de extradição detém muitas dificuldades para a concessão da extradição, como por exemplo tradução e envio de documentos no idioma Árabe, e também pelo fato de ser um país mais restrito e fechado nas relações diplomáticas internacionais. O caso de Thiago Brennand é uma exceção à regra, tendo em vista ter sido um caso midiático e com peso da reprovação social de agressões praticadas contra as mulheres, que culminou em um processo célere e eficaz.
De acordo com o artigo (2) (46) da Lei Federal 39 de 2006 sobre cooperação internacional em matéria penal na ausência de convenção bilateral entre o Brasil e os Emirados Árabes Unidos e o Estado requerente, o Pedido de extradição relacionado a questões criminais devem atender certas condições, como por exemplo a tradução ao Árabe do mandado e prisão internacional; a base jurídica para o pedido deve ser explicita e direta com redação específica; uma solicitação de extradição formal e por escrita; os fatos do caso de forma resumida; o texto legal aplicável ao fato (o crime na legislação penal) e a cópia oficial do dispositivo legal; sendo necessário todos os documentos traduzidos ao Árabe, assinado e com selo de assinatura da Autoridade competente e não com o selo e assinatura do tradutor legal.
Curiosamente, acerca da relação Brasil – Emirados Árabes Unidos, não existe prazo formal para formalização do pedido de extradição, e a legislação dos EAU não exige a apresentação da denúncia, sendo desnecessária a tradução deste documento, chamando a atenção a necessidade da vigência e aplicabilidade do Tratado de extradição entre os 2 países, pois somente assim esse processo ficaria vinculado ao cumprimento de dispositivos legais taxativos e obrigações certas e determinadas, e não da forma aberta e com lacunas que hoje prospera somente com a reciprocidade.
Autor: Dr. Eduardo Maurício, advogado criminal especialista em extradição em três países: Brasil, Portugal e Hungria.
Co-autor: Dr. Raphael Paschoal